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DESABAFOS

Razoavelmente insuportável…

Razoavelmente insuportável…

DESABAFOS

26
Mar25

A camisola da vaca e o batom tresmalhado...


ROMI

A Aidinha é muito irritante. Diz que as minhas únicas preocupações são não usar batom cremoso em dias de vento e não me esquecer de não abrir a porta com a camisola que a Ana Luísa me trouxe dos Açores, com a estampa de uma vaquinha a dizer que é boa como o milho.

A Aidinha não sabe o que é ter o cabelo literalmente colado ao batom, nem o que é o carteiro olhar-nos com ar de quem quer desejar-nos uma boa Páscoa.

A Aidinha diz que, mais dia menos dia, vai para a terra. Já está reformada há muito tempo e está na hora de ir para perto dos seus.

— Não quero saber.

Já lhe disse que não quero despedidas, nem saber qual o último dia. Quando deixar de vir, deixou.

E todas as quartas-feiras, é uma ansiedade imensa, que só passa quando vejo que o dinheiro que lhe deixo para pagamento já lá não está.

Hoje é quarta-feira. Dia de Aidinha. O chegar a casa...

A Aidinha é mesmo muito irritante.

 

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Para quem não sabe, a Aidinha é a senhora que cuida de mim (todos os dias) e da minha casa, às quartas feiras. 

 

21
Mar25

O sopro (anónimo) das palavras...


ROMI

Porque hoje é o Dia Mundial da Poesia, deixo o meu apreço a tantos poetas anónimos, com obras de excelência não assinada. Os poetas anónimos oferecem ao mundo beleza sem exigir reconhecimento, e isso é, por si só, de uma nobreza ímpar.

Numa espécie de tertúlia, Odair recitou este poema, que não é dele. Nem sabe de quem é. Mas ofereceu-mo. Acho-o lindo. Queria ter sido eu a escrevê-lo. Na impossibilidade, resta-me agradecer ao Odair e, num gesto altruísta, oferecê-lo também a quem dele gostar.

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Sopro das palavras 

"Sabes, às vezes sinto que sou feita de vento.
Que sou só um sopro, uma promessa que nunca se cumpriu.
Caminho por estas ruas e ninguém me vê.
Sou um nome que não ficou na boca de ninguém,
um rosto que o tempo já começou a apagar.
Mas eu existo... não existo?
Se fechar os olhos agora, desapareço?
Ou sou como a poeira, que dança sem que ninguém repare?
Ah... como queria ser lembrança, ser história contada ao pé do fogo...
Mas talvez eu seja só isso:
um instante que passou e ninguém guardou"
 

Autor desconhecido.

Imagem: gaivotas são como palavras sopradas ao vento.

 

20
Mar25

Entre Textos e Pretextos...


ROMI

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Há tempos escrevi   A VELHINHA QUE ROUBAVA LIVROS      para justificar – acho que a mim própria – o porquê de comprar tantos livros. Sei que continuo a comprar mais do que alguma vez terei capacidade de ler. A menos que viva até aos 100 anos, o que seria uma maçada. Sempre achei romântico morrer nova. Não sei se ainda vou a tempo.

Recentemente, deparei-me com este excerto:

"Há existências inúteis, para quem a vida se reduz ao estreito âmbito formado pelas paredes que as cercam. Vivem por hábito. Sabem apenas exprimir-se com seis palavras rançosas. São um misto de papelada, de números, de ideias estúpidas e vãs, de frases gastas e falsas."
A Farsa, Raul Brandão

Decidi que tinha de comprar A Farsa. E fiquei feliz ao descobrir que já tinha Raul Brandão em casa.

A sua escrita tem um forte carácter de prosa poética. Ele combina uma narrativa fragmentada e introspectiva com um uso intenso de imagens, metáforas e musicalidade, aproximando-se muitas vezes da poesia. Impossível resistir-lhe. Completamente rendida.

O carteiro já não entrega cartas de amor. Mas pareceu-me injusto vir de propósito entregar-me um único livro e, muito contrariada (o que eu faço pelo carteiro), para além de A Farsa,  comprei, Antes Que o Café Arrefeça, de Toshikazu Kawaguchi, e Os Rapazes que Desafiaram Hitler, de Phillip Hoose.

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A Ana Luísa, no gesto altruísta de quem vai morar para longe e não me quer triste, oferece-me quatro livros.

Isto para dizer que, se um dia  ouvirem dizer que ando a roubar livros, é mesmo por ser velhaquinha (como a Tézinha do Sr. Sebastião, de quem falarei mais tarde) – e não por necessidade. Já que tenho imensos livros, bem entendido. 

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Beijos a quem é de beijos, abraços a quem é de abraços. Eu, é mais é livros... 

 

 

16
Mar25

Amigos improváveis...


ROMI

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Eu e Camilo Castelo Branco não somos os melhores amigos. E, no entanto, tento tanto sê-lo. Nunca jantou comigo, é certo. Também não o reservo para os serões. Guardo-o para as viagens, porque aí não posso pô-lo de parte e pegar noutro livro. Mas põe-me os nervos em franja.
Quando um início me conquista, congratulo-me: “Eu sabia que ia gostar de um livro seu, Sr. Camilo.” Mas logo me arrependo. Sofro horrores no caminho até ao fim. E, apesar de tudo, volto sempre. Porque há algo que me desafia, que me exaspera, que me faz insistir e continuar a comprar os seus livros. Há,  em Camilo, uma força impossível de ignorar.
Vulto enorme da cultura portuguesa, um escritor que viveu à flor da pele, que traduziu em palavras as paixões e as dores humanas como poucos.
Se ao menos me levasse pela mão, em vez de me arrastar por labirintos de frases tortuosas e desabafos cáusticos. Mas talvez seja essa a sua essência. Camilo não facilita, nem na vida, nem na literatura. E eu, teimosa, continuo a dar-lhe novas oportunidades.
 
"A Viúva do Enforcado”. A última aquisição. Viajámos juntos e até correu bem. Companhia de excelência. Quase amigos...

 

28
Fev25

Quando, Simplesmente, Chove...


ROMI

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Já aqui estive antes.
Não me refiro ao lugar…
Refiro-me ao instante.
Chovia…
Como acontece muito quando chove.
A chuva torna a noite  silenciosa.
 
Gosto mesmo de momentos!
Quero apenas cinco minutos…
 
Vou só ali apanhar chuva.
O momento em que me abraço
E fico simplesmente  deixar a chuva acontecer.
Cada gota chama o meu nome.
 
Depois, molhada, desnorteada
Finjo que é domingo
E invento mais um momento
Até a chuva passar.
 
Só quero cinco minutos.
 
A solidão é a única companhia quando, simplesmente, chove.
Hoje, simplesmente, chove.
 

 

27
Fev25

O marcador...


ROMI

 

 

 

 

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Às vezes, tenho de regressar a livros já lidos, como quem passa na casa de alguém só para cumprimentar. Outras vezes, como quem regressa a casa. Visitar Eça é regressar a casa: buscar conforto, sentir o cheiro a café, encostar a cabeça, fechar os olhos e ficar ali, para recuperar. E rir. Muito. Tão bom rir consigo, senhor Eça de Queirós! Da sua ironia afiada. A Relíquia. Ri-me tanto com a troca das relíquias. 

No interior de um dos livros, estava um marcador, oferecido por uma amiga minha, com dedicatória: "O livro, sendo o mesmo para todos, uns percebem dele muito; outros, pouco; outros, nada; cada um conforme a sua capacidade. O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive, e, não tendo ação em si mesmo, move os ânimos e causa grandes efeitos." Padre António Vieira.

Depois, ao pesquisar, percebi que o senhor padre  António Vieira se referia a um livro específico relacionado a Nossa Senhora da Penha de França e aos milagres por ela derramados no mundo dos homens. Fiquei mais tranquila.

Porquê? Não sei!

 

 

21
Fev25

“I know not what tomorrow will bring.” ...


ROMI

 

Há tempos, tomamos o pequeno almoço juntos e segredou-me ao ouvido:
 
"... Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho."
 
Claro que ficámos amigos ...
 

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E ontem jantou comigo, cuidou de mim. Como se fosse o meu melhor amigo. 

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Para além do livro (prosa) que estou a ler, todos os dias leio poesia, nem que seja um só poema. Abro o livro ao acaso, não sigo a regra rigida de começar na primeira página. Curiosamente, não sei bem porquê,  neste livro de Fernando Pessoa,  é sempre na página 64/65. A "Ode Marítima". Não posso dizer que é o meu poema preferido de Fernando Pessoa, porque na poesia dele tenho poemas que gosto menos, mas não consigo escolher o favorito. É impossível resistir a este, e leio-o tantas vezes que quase o sei de cor. Principalmente esta parte:
 
(...) Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve como uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.(...)
 
 
A imagem do cais como uma saudade de pedra, como se naquele intervalo morasse a dor das despedidas e a nostalgia do que fica para trás.
 
 
I know not what tomorrow will bring.” (Não sei o que o amanhã trará.)

As últimas palavras escritas de Fernando Pessoa.

 

15
Fev25

Sombras em azul ...


ROMI

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Um pensamento parado, de cor azul. Azul da cor do silêncio que a chuva lavou.
Um desejo inerte, ao relento, como uma página riscada. Ou o copo meio cheio. O relento também é azul, como o pensamento, num diálogo a duas sombras.

Incoerências cronológicas na ausência. Desconcertante como um rio que recusa desaguar porque tem medo do mar.

É no ontem que semeamos os momentos que colhemos, mas continuaremos a dizer até amanhã, até logo, até depois—nunca até ontem.
Porque um amo-te implica um eu também. Porque sim. Ou simplesmente porque sei lá.

Vaguear por aí, desabitada de olhares vagos, recolhendo beijos deixados no tempo. Prendendo abraços. Libertando memórias—azuis—da cor do pensamento. E do relento. O relento é azul.

Reflexo esbatido, como sombras envergonhadas que as nuvens tocam ao sabor da imaginação.
Perco-me e reencontro-me nesses afetos, para logo desistir, diluída no fumo das palavras queimadas. Que a verdade queimou.

Transfiro-me definitivamente para o lado azul, sem nada a declarar.
E, em papel timbrado, registo o abraço, para que seja eterno.
Como é eterno o pensamento ao relento, o lado azul do silêncio, que a chuva lavou.

 

Foto tirada na Nazaré

 

 

 

10
Fev25

A dança do sono...


ROMI

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O sono baila airosamente.
Débil, quase um pressentimento.
Rascunhos de saudade
emergem da solidão,
e bocejam na memória
da minha porta.
O relógio, em vez de avé Marias,
chora badaladas.
Doze.
Devagar, apagam-se
os ruídos da cidade.
Luzes piscam despedidas
nas janelas entreabertas.
Cada sombra
sabe exatamente onde se deitar.
Aninha-se o silêncio no dia adormecido.

Os medos também precisam de descansar…
Boa noite.

 

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