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DESABAFOS

Razoavelmente insuportável…

Razoavelmente insuportável…

DESABAFOS

30
Nov24

Silêncios de Novembro...


ROMI

 

 

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No gesto altruísta de quem decide oficializar a distância, parti.

Partir é quase morrer... com a capacidade de ressuscitar.

Pesa o silêncio a que a memória se habituou.

Esboço um sorriso que não é o meu ...

Esse morreu ontem à noite.

A noite, essa, mantém-se lá fora...

E são duas da manhã.

Uma janela que se fecha...

A minha...

Como um Novembro sem calma...

Um episódio em forma de fim.

Alguém que morreu, sem partir

e ainda não sabe.

As ondas, essas, morrem na praia.

Nem todas vão para o céu...

 

Foto do  álbum "Os meus serões".

 

 

 

 

29
Nov24

Entre Páginas e Carris...


ROMI

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O telemóvel é o parente pobre da minha mala de mão. Não pode faltar um livro, um bloco de notas, uma esferográfica, lenços de papel e uns rebuçados estrategicamente espalhados, para que não demore uma eternidade a encontrá-los. Tabaco e isqueiro já não fazem parte do pacote, pelo menos por enquanto, desde há oito meses. Digo isto porque, enquanto a maioria dos passageiros do comboio se agarra ao telemóvel, eu vou a ler. Hábito antigo. Sou do tempo em que o comboio da linha de Sintra demorava horrores a chegar a Lisboa. Só o túnel a seguir a Campolide eram uns bons dez, doze minutos. Um único livro não chegava para a semana toda. Foi aí que desenvolvi uma estratégia: comecei a comprar livros pelo número de páginas. Quantas mais, melhor. E, de preferência, com letra miúda, para render. Foi a minha sorte. Comprei imensos livros de autores que desconhecia, títulos que não me diziam nada. O único critério era o tamanho — dos livros, entenda-se. Descobri histórias incríveis, li obras fantásticas. Hoje  não faço essa viagem diariamente. Ainda procuro pechinchas, alfarrabistas e afins, mas já não me pesa no orçamento comprar o livro que me apetece. No entanto, ficou-me o hábito de, de vez em quando, levar para casa um livro às cegas, seguindo os critérios antigos. E ainda me surpreendo. Às vezes pergunto-me como será a vida de quem não gosta de ler. Como preenchem essa lacuna? Para mim, é um dos poucos privilégios que realmente me orgulho de ter.

 

27
Nov24

Por falar de amor...


ROMI

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A Luna tem 14 anos. No ano passado, esteve muito doente. Acredito que não foram os medicamentos, foi o amor que a salvou. A dedicação, estar com ela noite e dia, não a deixar ir. Dar-lhe comida à boca, conversar com ela. Aos poucos, foi recuperando.

A dinâmica alterou-se: as travadinhas das três da manhã, em que corria pela casa toda, trepava paredes, depois acalmava e olhava-me, como se eu fosse o rebuliço, acabaram. Agora, está muito tranquila. Quer apenas comer e dormir. Não fica triste quando saio de casa e recebe-me à porta por hábito. Já não rebola feliz.

Mas hoje demorei. Estive mais tempo fora do que o habitual. E a velha Luna voltou. Não me largou. Voltou a subir para a cadeira só para estar ao pé de mim. Jantei com ela ao colo — e ela não gosta de colo. Agora, vou embrulhá-la na mantinha, esperar que adormeça. Esperar que me perdoe se por momentos se sentiu abandonada. 

 

IMG_20180206_093252.jpg Sem ela a minha vida era bem mais triste... 

26
Nov24

Incoerências de um lamento...


ROMI

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Cultivamos frases como telas impressionistas que não sabemos decifrar. Hoje, quero-me demasiado branda, num ritmo obstinado de quem não aprendeu a perdoar. Hoje é um dia para esquecer. Passar imediatamente ao dia seguinte.
No absoluto de um diálogo, não quero expor-me em palavras, entrelinhas passageiras de um momento. Sorrio, apenas, para disfarçar o desconforto. Ficar parada, a assistir a um gesto de renovação, é como fumar um cigarro apagado. O gesto altruísta de estar aqui, agora, como quem gosta de um passado perfeito, imperfeito... sei lá!
Caracterizada de personagem, já nem sei se vivi ou apenas pensei que nasci. Vontades ocas, onde farrapos de sombras continuam a bailar, desajeitados, num espaço vazio. 

Descubro incoerências cronológicas. Páginas arrancadas e coladas desordenadamente. Detesto detetar os sinais, é tão limitador,  avaliar o que é ou não é suficiente para rejeitar.
Revejo-me no lamento de um lobo que uiva, porque não aprendeu a chorar...

 

Foto "Os meus serões"

20
Nov24

Amor, Água Benta e Outras Assombrações...


ROMI

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Estranhamente, todos estavam impecavelmente vestidos, como se fosse dia de festa. O senhor ao meu lado, um pouco pálido, não por acaso, claro, não deixava de ser um defunto jeitoso. Sempre fui sensível a um homem de fato. Morto ou vivo (fiquei a saber). Deduzi que fosse bastante popular dado o número de pessoas a chorar por ele. O problema de ter um velório partilhado era lidar com os pingos de água benta que os amigos do falecido faziam questão de dividir comigo.  Que os reservassem para ele! Já bastava estar morta, e ainda ter de passar por esta provação. 

Resolvi então sair de mim e vaguear pelo teto, espreitar os inconsoláveis  familiares do jeitoso lá de baixo. Cheguei a desafiá-lo para me acompanhar, mas ele, de nariz empinado, parecia demasiado compenetrado em absorver a dor dos herdeiros que entre uma lágrima e outra iam calculando o valor das partilhas.  E ainda dizem que, na morte, somos todos iguais. Ora, o enjoadinho, a dar-se a uns ares de superioridade, como se ignorasse por completo que já não era deste mundo.

Quando finalmente a família se retirou, a família dele, claro, eu tive direito a duas vizinhas e  três beatas lá do bairro, que saíram a toda a velocidade, após um Pai Nosso mal rezado, como se tivessem deixado o jantar ao lume. 

Ficámos nós dois, lado a lado. Ele a fingir que não estava lá. Eu mortinha por o provocar. Então, é assim que queres  passar para a eternidade? Deitado numa almofada de cetim, rodeado de flores murchas e um cheiro de velas que não inspira ninguém?

Olhou-me como se me tivesse visto pela primeira vez. 

-Tens uma ideia melhor?

 Este lugar é um tédio. Disse enquanto flutuava à sua frente.  Já pensaste em sair daqui? Há mais vida lá fora. Quer dizer, vida não é o termo certo, mas percebes onde quero chegar.

Ele hesitou, mas bastou um leve gesto para que largasse aquele cenário deprimente e viesse comigo. Saímos de mãos dadas pela porta principal, atravessando paredes como se fossem cortinas de fumo.

 

Foi assim que começou a nossa nova existência, assombrando alguém apenas por diversão. Soprar chapéus, esconder objetos. Rir da senhora que jurava ter visto as jarras mudarem de lugar sozinhas na biblioteca municipal.

Descobrimos que o mundo é muito mais interessante quando não há nada a perder.

E de assombração em assombração, fomos felizes eternamente… 

Eu disse fomos?

Somos! Assim é que é. 

 

15
Nov24

Noite casta...


ROMI

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Vem jantar  comigo

Ponho-te  toalha de linho

Pratos de porcelana fina

E copos de cristal.

Abrimos  latas de atum

E chamamos caviar.

Bebemos vinho indecente

E chamamos néctar dos Deuses.

Damos a mão

E chamamos-lhe amor.

Vem jantar comigo

Está noite de luar.

As flores  não murcharam

As velas não queimaram. Mas a espera já desdenha.


Morrem-me segundos

Nas pontas dos dedos.

Nesta madrugada lenta

Exaustivamente casta...

14
Nov24

Heráclito e Siddhartha...


ROMI

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Às vezes volto a Siddhartha, de Hermann Hesse, e leio frases que sublinhei. Esta foi uma delas:   
"(…) aquela água corria continuamente, corria sempre mas estava sempre ali, para todo o sempre a mesma e, no entanto, a cada momento nova! Ah, quem isto compreendesse!"  
 

No livro «Pré-Socráticos - os alvores da filosofia» é atribuída a Heráclito a frase: Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio.

A explicação: "Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois, quando nele se entra novamente, não se encontram as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários."

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Ah, quem isto compreendesse! — diz Hermann Hesse. A nossa própria identidade e a realidade ao nosso redor estão em constante transformação, ainda que não nos apercebamos. Será que compreendi? Encontrar esses pensamentos paralelos em livros tão diferentes faz-me pensar em como certos temas são universais e atravessam épocas e culturas. É gratificante sair da zona de conforto, entrar em temas que não domino. Pudesse eu parar o tempo para ter tempo de ler mais e mais, na tentativa de recuperar o tempo que não perdi.  

Próxima etapa: o poema de Parmênides de Eléia "Sobre a Natureza" é um poema que procurava desvendar a essência do ser e do universo. 

Que comece o serão... 

 
13
Nov24

Pausa para doer...


ROMI

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Desço as escadas. São sete degraus.

Como figura que se amarrota na eternidade de um limite, trajo de adeus. 

Reinvento o impossivel e esqueço-me que sou a fulana que sai ilesa do desastre dos afetos.
Tudo se transformou em não!

Trajei-te de terno e gravata, com adornos de sorrisos construidos em série.
E partiste, como quem morre a cores e em terceira dimensão.

Disse adeus, com ar de gaja com olheiras, sentada num cantinho.
Puseste o ar de homem sedutor que se reflete num espelho.
A raiva de já ser tarde e ainda irmos a tempo.
Mas eu preferi a solidão como complemento do silêncio.

Fiquei a ve-lo afastar-se.
Uma suspensão temporária de mim...
... que desaba sem doer.

Subo as escadas. São sete degraus.
Estou de volta, sem insónias.
Tenho a sensação de ter sobrevivido, só não sei para quê.

A casa continua quieta.

11
Nov24

Não tenham medo do que não existe...


ROMI

Meus queridos, personagens inventadas por mim, estão reunidas todas as condições para o isolamento social — e ainda bem. Estava adoentada, não muito, fiquei a trabalhar a partir de casa, com refeições e medicamentos à distância de um clique, sem ter de sair do conforto do lar, incomodar o vizinho, o amigo ou o parente mais próximo, que vive a 8000 km de distância (e isto é rigorosamente verdade).

Mas um mal nunca vem só; nisto os provérbios não falham. Claro que a pessoa não vai para nova, e as maleitas do passado atuam como um relógio, ainda que não haja mudança de tempo. No caso da minha avó, quando lhe doíam as cruzes, o tempo mudava. No meu caso, e só porque sim, o dedo que lesionei no basquete volta e meia desata a doer, e tenho de lhe pôr um aparato elástico para o apaziguar e adquirir alguma mobilidade — mas pouca.

E cá vou, rodeada dos meus males menores e maiores, numa companhia improvisadamente feliz: Livros, música, filmes e ,claro, a minha gata. 

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E por falar em filmes... 

            

Alguém me disse: se dás atenção à música de um filme, é porque o filme não é bom o suficiente.

Possivelmente o filme não foi bom o suficiente. A banda sonora, sim. "N'ayez pas peur du bonheur il n'existe pas." Assim, como um dogma: "Não tenhas medo da felicidade, ela não existe". É quase como pedir para não ter medo do papão — ele também não existe.

Não vou entrar em divagações sobre felicidade, já que é um tema que domino tão bem quanto física quântica. E ser feliz é uma coisa que me irrita. Por norma, o que nos faz felizes no momento, é o que nos causa infelicidade no futuro. E isto também é válido para chocolates e sapatos. Quilos e calos, bem entendido.

Não me lembro do nome do filme*. Partilho a música que me deixou tão feliz.

 

  

 

20241109_171020-EDIT.jpg   * "As Recordações". 

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