A NETA DA MARIA...
ROMI
Põe o lenço na cabeça, pega nas duas pontas, cruza-as atrás do pescoço, agilmente, e ata-as no cimo da cabeça. Lenço azul petróleo, com florinhas brancas, avental a condizer, que é domingo. Sai para a rua, bate a porta, fecha-a à chave, põe a chave debaixo do vaso dos manjericos. Vai pela vereda, para aproveitar a sombra. Segue ligeira, com a mão na cintura, a outra balança ao ritmo dos passos. Vai almoçar com a ti Xica, a comadre. Chegada ao destino, sem bater à porta, entra. A comadre recebe-a com um sorriso, diz-lhe que está adiantada, os grelos ainda estão ao lume. Responde que não tem muita fome, anda com uma dor nas cruzes, a filha quer que "lhe chegue" uma pomada, mas ela prefere ir ao Ti Gabão, o endireita. Foi ele que a curou da dor no ombro e nunca mais padeceu de tal mal. Entretanto, os grelos cozeram. Grelos com batatas e ovos cozidos. Servidos numa malga, empurrados com o pão para uma colher. Findo o repasto, pegaram num bloco de linhas, dois envelopes e dois selos. Saíram porta fora, com a ligeireza que a dor nas cruzes não travou. Já aguardavam 4 pessoas na soleira da casa da Maria, que tinha cá a neta e era ela que lhes escrevia as cartas, que começavam invariavelmente assim: " Querido(a) filho(a), cá recebi a tua carta, e nela vi tudo o que me mandaste dizer..."
Eu sou a neta da Maria, não sei quantas cartas escrevi, asseguro que todas começaram assim ...