15
Ago22
AS ÁRVORES MORREM DE PÉ...
ROMI
Monet, o pintor, apaixonou-se pela água. Disse que queria ser enterrado numa bóia, para poder flutuar por toda a eternidade. Montou um estúdio num barco.
Como se fosse um esforço recorrer à imaginação para pintar o cenário que pretendia, ele próprio criava esse cenário. Chegou a desviar um rio, para a sua propriedade, formando um lago, onde plantou nenúfares que originaram várias telas.
Lembrei-me disto enquanto assistia, na televisão, ao incêndio na Serra da Estrela. Labaredas desvairadas de um lume que não aquece, gela-nos, petrifica-nos.
Eu, com os olhos no fogo, a sentir-me infeliz, fiz uma analogia a Monet. Imaginei um pintor louco, sem capacidade de recorrer à imaginação, como se também ele tivesse criado aquele cenário de cinzas, fumo e fogo, e munido do seu cavalete, pintasse um céu imenso da cor do sangue, numa tela que ninguém quer protagonizar.
José Alberto Carvalho, só nós dois. Falava só para mim. "As árvores morrem de pé." Repetiu. Rodeado de cinza e preto, orlado do vermelho da morte.
As árvores morrem realmente de pé. Não caiem. Cair é a condição do que está vivo. Tudo o mais, o que não morre de pé, simplesmente cede à força da gravidade e cumpre os desígnios: ao pó voltarás.
Visivelmente comovido, José Alberto Carvalho, despede-se desolado, por um fogo que não se apaga com lágrimas. Por uma batalha que parece, mas não está ganha. O pintor louco, já mudou de rumo e foi criar cenários numa outra freguesia, provavelmente perto de si, de mim, de nós.
Eu volto à minha noite calma. As expectativas em relação ao sono são completamente inexistentes. A noite é longa, mas há-de ter um fim. Este flagelo também...