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DESABAFOS

Razoavelmente insuportável…

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DESABAFOS

05
Abr22

MEMÓRIAS COM A MINHA AVÓ...


ROMI

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continuação:

(...) A minha avó acha as acendalhas uma modernice e manda-me buscar pinhas
para acender o lume. Lá vou eu com uma saca de serapilheira, tipo o papão da
minha infância versão feminino. Imaginei sempre que um papão era um homem
gordo com um saco de serapilheira às costas para lá por os meninos.
Curiosamente o saco estava sempre cheio, o que quer dizer que já lá tinha
meninos e por conseguinte eu já lá não cabia. Isso poderia ter-me tranquilizado
na altura, mas nunca tal me lembrou, vai daí comia sempre a sopa toda não
fosse o homem aparecer e me levasse no saco. Isto foi um à parte, dizia eu
que munida do saco fui apanhar as ditas pinhas. Ocorreu-me aquilo do nome
na árvore e por curiosidade fui verificar o estado em que estava, provavelmente
teria desaparecido, a natureza ter-se-ia encarregado de sarar as feridas. Senti
um peso de consciência por ter golpeado a árvore e seria um alívio não ver o
meu nome a denunciar tal crueldade. A verdade é que o meu nome continuava
lá e esculpido de fresco, golpes mais profundos, como se alguém se
encarregasse de periodicamente o manter vivo. Fiquei incrédula. Inspeccionei a
árvore toda, na esperança de encontrar outras iniciais num sítio qualquer. Em
vão. Só o meu nome ali jazia. 
Eu tinha de saber quem era o autor. Não tinha como, mas havia de descobrir
uma maneira. Como quem não quer a coisa, pergunto à minha avó se as
pessoas continuam a ir muito para o pinhal. Resposta pronta:  Eu ando lá a
guardar as pessoas para saber quem vai ou não? - Ok, por aqui não me safo.
Mas insisti, perguntei quem lhe costumava ir apanhar as pinhas, já que ela
andava sempre mal das cruzes e tinha "diabretes", de modo que não se podia
esforçar muito. Disse que era a vizinhança, todos no geral e nenhum em
particular, às vezes até lhe deixavam uma saca à porta e nem sabia quem tinha sido. - Alto aí, isto é uma pista. Quem deixa, anónimo, uma saca de pinhas à porta, também é pessoa para perpetuar o nome numa árvore.

O raio é que ninguém levava pinhas à minha avó quando eu lá estava. Inglório o esforço de
espreitar pela janela e outras vezes por baixo da porta, porque as portas das
aldeias não têm buraquinho para se espreitar, então espreita-se por baixo da
porta provavelmente para ver se os sapatos são conhecidos, já que pouco mais
se pode avistar. 
Numa dessas vezes, em que eu estava de rabo para o ar a espreitar pela
minúscula fresta da porta, reconheço os sapatos, versão alpergata, da minha 
avó e ingenuamente aguardo que ela toque a campainha, na falta dela que
faça truz-truz ou que meta a chave, dando tempo a que me recomponha e
disfarce. Qual quê, para abrir a porta basta puxar um cordel que está
estrategicamente preso ao trinco e passa por um buraquinho minúsculo que
fura a porta. Esta operação faz-se enquanto o diabo esfrega um olho e no
entretanto eu levo com a porta na testa, com uma pisadela na mão esquerda e
com o grito da minha avó provocado pelo susto. " Mas que diacho vem a ser
isto? “Raisparta” a rapariga que tanto m' atenta a minha alma..."  - Calma vó,
digo eu com um galo maior que a minha testa e com uma unha mais negra que
o xaile dela, eu só estava a tentar saber quem que lhe trás as pinhas, para
saber quem anda a esgravatar o meu nome no sobreiro que divide a Cidade
Grande da Cidade Pequena. - Demasiada informação para a minha avó que
não sabia das Cidades, sobreiros e nomes. Eu feita pateta a olhar para ela e
ela, a deitar-me pelos olhos, a olhar para mim. Quem me visse naquela
figurinha, ainda de gatas, com a mão sã na testa a segurar o galo, e soubesse
que  dias antes  tinha sido eleita, pelos colegas de trabalho, a miss nariz
empinado, a segunda melhor na categoria snob e quase a melhor na arte de
comer bolas de Berlim sem besuntar o queixo, iria certamente notar uma
grande contradição entre o parecer e o ser. Toda a gente sabe que para uma
contusão se usa gelo, na falta dele, já que  mantém o frigorífico desligado no
inverno porque a luz está pela hora da morte,   a minha avó vai buscar uma
pedra à rua, diria mesmo um pedregulho, que dada a temperatura do ar estava
gelado,  e espeta-me (no bom sentido) com ele no galo e eu começo a sentir as
ideias mais frescas  que alguma vez teria imaginado. Uma taça de vinagre para
o calcão da unha e a minha pessoa está na figura ridícula de mobilidade
reduzida e indisfarçável. Como raio se disfarça um pedregulho na testa e se
mantém a destreza quando nos administram estes primeiros socorros. Para
ajudar à festa entra, sem bater, a ti "Catrina". Olha para mim num misto de dó e
resignação, sem manifestar a mais pequena estranheza do meu aparato. Fez-
me logo o diagnóstico, perguntou se tinha caído e onde.- «Fui eu sem querer
que lhe dei com a porta na testa (na verdade  disse com a porta nos cornos),
ela estava a espreitar o sobreiro, ou o raio que a parta, é qualquer coisa que
fazem lá na cidade.» Disse a minha avó. Foi nesse momento que a “ti Catrina"
me olhou atónita, mas era outro o assunto  que a trazia. (...) continua...

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