“ Não quero envelhecer sozinho!”
ROMI
Um amigo meu tinha uma frase que me deixava a pensar e incomodava-me sempre que a ouvia: "Não quero envelhecer sozinho!”- Reporto-me às memórias de quem não envelheceu sozinho: Os avós de uma amiga de infância, lembro-me deles sentados numas cadeiras de palha, na sombra de um figueira, a razoarem constantemente um com o outro. Diz-se até que nunca se deram bem. Mas quando um morreu, de ataque cardíaco, na sua cadeirinha de palha, o outro apercebeu-se e morreu também com o desgosto. Não morreram de mão dada, mas morreram os dois, nas suas cadeirinhas de palha. Lembro-me dos pais de outra amiga, os dois já velhotes e ele talvez mais trôpego que ela, mas era sempre ele que ia buscar a mantinha para lhe aconchegar os joelhos, quando estavam a ver televisão. E era sempre ela que adormecia no sofá, mas nunca se ia deitar antes do marido. Um dia o programa de televisão acabou e quando ele a acordou, com muito jeitinho, ela dessa vez não acordou. Ele morreu anos depois e durante esses anos, todos os dias a ia visitar ao cemitério e levava-lhe uma flor. Quando se ausentava, para passar o natal com a minha amiga, quantos dias estivesse fora, era quantas vezes entrava e saia do cemitério e repunha assim as florinhas em falta. Lembro-me de uma viagem em que um casal idoso, ele mais que ela, e era ele que lhe levava a malinha e a segurava pela mão, para que ela não caísse desamparada na carruagem baloiçante do comboio. Há muitas mais histórias. Há também a minha felicidade que atribuo à minha independência. Há também o compromisso de me fazer feliz... de continuar a ser feliz. Depois há o receio, a dúvida: conseguirei ser feliz se morrer sozinha numa cadeirinha de palha; conseguirei ser feliz se não tiver ninguém para me por uma mantinha nos joelhos enquanto vejo televisão? Continuarei a ser feliz se ninguém me der a mão e pegue na minha malinha de modo a que eu não caia desamparada na carruagem baloiçante do comboio...? Não sei se algum dia saberei a resposta. Entretanto continuo a envelhecer sozinha e a só vestir preto e branco, fiel a uma espécie de luto que paira sobre mim...
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