31
Out25
Retrato de um serão...
ROMI

Às vezes, onde estou é mesmo onde queria estar.
Às vezes, gostava de poder sair de mim e observar-me lá do alto, tentar absorver o momento, eternizá-lo, para poder voltar a ele sempre que quisesse, em doses suaves, e sentir inveja de mim.
Ver-me a ler à luz de um candeeiro, quase a petróleo, com uma música de fundo fantástica. Uma chávena de chá fumegante. Um caderno de notas escrito com caneta de aparo fino. Rodeada de uma escuridão imensa, como convém em qualquer serão digno desse nome.
Lá fora, a chuva bate na vidraça, como que a querer entrar à força, para se juntar a nós: a mim, a protagonista, e a mim, lá no alto, a observar-me, invejosa.
E nesse instante suspenso, em que tudo parece caber dentro de um suspiro, sinto que não preciso de mais nada. Apenas existir ali, inteira, entre o som da chuva e a companhia da minha própria solidão, que não pesa, mas envolve, como o calor de uma presença breve.
Enquanto me observo, sei que o momento se desfaz, devagar, silenciosamente, como o vapor do chá que sobe e se perde no escuro, ao ritmo do meu pensamento. E em tom de adeus...

