Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

DESABAFOS

Razoavelmente insuportável…

Razoavelmente insuportável…

DESABAFOS

23
Jan25

A NETA DA MARIA...


ROMI

ESTA.jpg

 

Põe o lenço na cabeça, pega nas duas pontas, cruza-as atrás do pescoço, agilmente, e ata-as no cimo da cabeça. Lenço azul petróleo, com florinhas brancas, avental a condizer, que é domingo. Sai para a rua, bate a porta, fecha-a à chave, põe a chave debaixo do vaso dos manjericos. Vai pela vereda, para aproveitar a sombra. Segue ligeira, com a mão na cintura, a outra balança ao ritmo dos passos. Vai almoçar com a ti Xica, a comadre. Chegada ao destino, sem bater à porta, entra. A comadre recebe-a com um sorriso, diz-lhe que está adiantada, os grelos ainda estão ao lume. Responde que não tem muita fome, anda com uma dor nas cruzes, a filha quer que "lhe chegue" uma pomada, mas ela prefere ir ao Ti Gabão, o endireita. Foi ele que a curou da dor no ombro e nunca mais padeceu de tal mal. Entretanto, os grelos cozeram. Grelos com batatas e ovos cozidos. Servidos numa malga, empurrados com o pão para uma colher. Findo o repasto, pegaram num bloco de linhas, dois envelopes e dois selos. Saíram porta fora, com a ligeireza que a dor nas cruzes não travou. Já aguardavam 4 pessoas na soleira da casa da Maria, que tinha cá a neta e era ela que lhes escrevia as cartas, que começavam invariavelmente assim: " Querido(a) filho(a), cá recebi a tua carta, e nela vi tudo o que me mandaste dizer..."
Eu sou a neta da  Maria, não sei quantas cartas escrevi, asseguro que todas começaram assim ...

29
Set24

"O Trem das Onze" (memórias)...


ROMI

51922836_2217930854905136_3990731689860005888_n.jp 

17
Nov22

A CASA DA ALDEIA...


ROMI

Não me imagino a viver na casa da aldeia, nem gosto de ir à aldeia. Deprime-me. Não gosto de acordar com os passarinhos, nem de adormecer com o irritante do grilo. Gosto de passarinhos e grilos, mas caladinhos. O que eu gosto mesmo é das osgas que habitam o anexo, a que chamo a casa do lume. E na casa do lume, verão ou inverno, há sempre uma ou duas osgas. 
Depois há o senhor que trata das parreiras e fica com as uvas, teima sempre em dar-me um garrafão de vinho. Só aceito a garrafa de bagaço. Pasme-se, gosto de bagaço. Depois há o senhor que trata das oliveiras, lá rejeito eu o garrafão de azeite. Mas gosto desta dinâmica da aldeia, de tratar do que é dos outros e apesar de  raramente lá ir , tem tudo um ar muito cuidado, como se a minha avó ainda respirasse. 
Estive há pouco tempo na casa da aldeia, há assuntos que só eu posso tratar e há situações recorrentes; A minha avó deitava-se muito cedo. Eu ficava na casa do lume, sozinha,  num serão que se alongava. Adoro serões. Quando regressava à casa "grande", tinha todo o cuidado ao abrir e fechar da porta. Todo o ruído em suspenso, até ao deitar, para não a acordar.
Passaram tantos anos e sempre que lá vou, dou por mim silenciosa, quase em apneia, até que acordam os pensamentos e me lembram, podes fazer barulho, ela já cá não está... 
 

1.jpg

2.jpg

10406633_800192560012313_142755476363196572_n.jpg

10622702_800192550012314_749353436487878585_n.jpg

15069069_1289065324458365_886860052732878215_o.jpg Imagens do meu album A casa da Aldeia

08
Out21

A CASA DA MINHA AVÓ ...


ROMI

29472377_1781504248547801_7027724170330898432_n.jp

A casa da minha avó tinha um candeeiro a petróleo, cortinas em vez de portas e umas colheres de ferro, muito pesadas, com que comíamos as migas tostadas que ela fazia ao pequeno almoço. 

A casa da minha avó, tinha aranhas debaixo da cama e sapatos pendurados nas vigas do teto do quarto. Também pendurava chapéus de chuva e outras coisas que a memória me falha. O quarto tinha duas camas, com colchões de palha, com um rasgão ao meio. Por cima da minha cama, a minha avó, pendurava uvas, para secarem e se transformarem em passas. 
Na casa da minha avó eu comia as uvas, penduradas por cima da minha cama e antes de se transformarem em passas. Fazia bolas de lã com o pelo dos cobertores. A minha avó ralhava e eu não me importava, continuava a fazer bolas de lã.
Na casa da minha avó, não havia histórias ao deitar, nem canções de embalar. Havia o barulho que a minha vó fazia a comer tremoços e comia tremoços noite fora.  
Na casa da minha avó, havia cadeiras de palha, à volta do lume, e um púcaro de esmalte vermelho, com água sempre a ferver. E uma panela preta, com três pés, onde a minha avó, às vezes, fazia a sopa. E havia sapatinhos, na chaminé, caso fosse Natal. A minha avó, prometeu-me um burro, no Natal, porque eu queria um burro. Eu prometi, à minha avó, que quando crescesse lhe comprava um camião cheio de loiça.
A minha avó nunca me comprou o burro. Eu nunca lhe comprei o camião cheio de loiça, porque não cresci, ela não me deu tempo.
 A casa da minha avó continua lá. Mas tu não estás, avó...

Mais sobre mim

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Em destaque no SAPO Blogs
pub