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DESABAFOS

Razoavelmente insuportável…

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DESABAFOS

06
Set24

Olinda...


ROMI

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Olinda, a única água que suportava era a do mar e a que viesse diretamente do céu. Os únicos pássaros que conhecia eram as gaivotas, e o seu meio de transporte era o sonho naufragado, encalhado, que se movia ao sabor da imaginação. Era intolerante a tudo o que tivesse tecto.

Nem sempre foi assim. Houve tempos em que tentou escalar a linha da normalidade, sempre em crescendo. No entanto, a normalidade tem prazo de validade e capacidade de se renovar, inovando. Sem estabilidade, perde-se o equilíbrio, e Olinda sentiu-se ultrapassada, rasgada, como se fosse papel.

Não passou a viver do ar, mas sim do que lhe davam. E à noite, dormia sob as estrelas, mais numerosas do que as que qualquer hotel pudesse ostentar.

Mas Olinda não estava feliz. Ninguém é feliz sozinho. Ou melhor, ninguém é feliz sem alguém a quem exibir a felicidade. Esse pensamento fez com que se sentisse uma pessoa normal. E rejeitou-o.

Abrigada sob a espessa capa da designação social "Sem Abrigo", sentia-se protegida pela permissão de poder ser louca, de se estatelar sem rede, desafiando a capacidade de renovação do que é considerado normal, com a secreta esperança de que o normal continue a ostracizar a diferença.

Hoje, disse-me a mãe dela, seria o aniversário de Olinda. Não tem presentes, mas tem asas e todo um céu para voar...

Descansa em paz.

09
Jul22

NEM SEQUER É PARENTE, É SÓ CASTIGO...


ROMI

Não é meu enteado,  nasceu após o divórcio, nem é meu afilhado, nem sequer vizinho. Não me é rigorosamente nada, nadinhaaaa. Porque carga d' água tenho eu de aturar o pimpolho, sempre que os pais resolvem dar uma escapadinha romântica. Não sei a idade dele, nem me interessa, mas já tem idade suficiente para ficar meses a fio sozinho em casa. Pronto, tem seis ou sete anos, meses a fio é um exagero, mas um fim de semana prolongado até fazia dele um homem, digo eu. Depois tem a mania que é esperto, lembra-me, constantemente, que as crianças têm de brincar. Sugiro aos polícias e ladrões, ele é o ladrão e tem de ficar amordaçado, de pés e mãos amarradas, até os paizinhos voltarem. Não acha boa ideia, que falta de sentido de oportunidade tem este miúdo. Ai e tal, atravessar a estrada, tens de me dar a mão, diz ele. Que sorte a minha não terem inventado que as crianças têm de ser carregadas às costas ao atravessar uma simples passadeira. Lá lhe dou a mão, que não larga, como se a passadeira fosse infinita. Ai e tal, tens de me obrigar a comer  o que tenho no prato. Relembro-lhe as vantagens de até nem comer nada: Poupa-me o trabalho de cozinhar, idas ao supermercado e com um bocado de sorte os paizinhos podem aproveitar a roupinha de há três anos. Olha-me desconfiado e devora tudo. Temos as refeições temáticas, às cegas: comer de olhos vendados. Pré históricas: comer com as mãos. À laia de piquenique: comer no chão. Para não falar das noites de campismo selvagem, quando munidos dos sacos cama dormimos na varanda. Campismo urbano, dormimos no chão da sala.  Também temos castigos personalizados, quem se portar mal anda de barbatanas em casa. Aí sou solidária, dividimos o castigo, uma barbatana a cada um. Advirto-o que a desculpa do pesadelo noturno, para passar para a minha cama, já não resulta. E fico eu toda a noite acordada, não vá o rapaz ter mesmo um pesadelo e sentir-se sozinho. Quando os pais chegam para o levar, é um alívio. Mas lembro-os que o mês de agosto tem vários feriados (invento eu), e que passarem férias sozinhos também tem os seus encantos... Depois, em sintonia, eu e a peste, fazemos cara de mau, olhamo-nos nos olhos, piscamos três vezes . O nosso código secreto que significa, gosto tanto de ti. 

iqt.jpg Foto: dia de piquenique em casa

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