"As Cores do Fogo"...
ROMI
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Século XIX. “As escritoras de sótão”, uma sociedade que reprovava e desvalorizava a expressão literária feminina, levava a que escritoras como Charlotte Bronte, Emily Bronte, Mary Shelley, Louisa May Alcott, entre outras, escrevessem às escondidas. Simbolicamente como se estivessem confinadas a um sótão. Chegavam a escrever e a publicar sob pseudónimos masculinos.
Por vezes, sinto-me uma "leitora de sótão" pelo mesmo motivo: a necessidade de ler certos livros longe de olhares inquisidores. Ler às escondidas.
Quando era miúda, compreendo que o meu pai ou a minha madrasta não quisessem que eu lesse obras como "O Conde de Monte Cristo" e "Os Miseráveis" aos 10 anos, ou "O Exorcista" aos 11. Mas li, "no sótão".
Fui à minha livraria preferida em Paço D’arcos. Claro que não quis o sugerido saco plástico. Se há coisa que gosto é de exibir a minha catrefada de livros, como quem exibe o bem mais luxuoso. Depressa percebi que há livros que só vou poder ler no sótão, longe do olhar crítico.
A leitura é uma ferramenta essencial para entender a história, o pensamento e as ideologias que moldaram o mundo. Gente obtusa não consegue perceber isso.
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Por norma, os serões na aldeia começam por volta das nove e prolongam-se até à meia-noite. Cada um traz a cadeira de casa e histórias para contar. Conforme vai escurecendo, as histórias vão ficando mais sinistras.
É lançado o mote, desta vez pela Amelinha, que diz em tom baixo, mas de modo a que todos possam ouvir, olhando em volta garantindo que nenhum intruso se inteira da indiscrição: "Dizem que o ti Diogo é lobisomem." Ninguém ficou espantado, como se fosse do conhecimento geral.
Uma outra senhora, cujo nome não sei, atirou: - "Dizem não! É lobisomem, que eu bem o vi. Uma noite ia com o meu Fernando para o pinhal e ele estava na clareira do Batista, de braços abertos, em tronco nu, e desata a galopar. Ficámos sem pinga de sangue, ele ia de olhos arregalados e nem nos viu."
Todos anuíram com a cabeça; garantidamente, o ti Diogo, era lobisomem. A ti Gracinda disse que uma vez foi visitá-lo, porque estava doente, e de vez em quando ele urrava e rangia os dentes.
O senhor António, apercebendo-se de que o assunto do lobisomem estava esgotado, conta o susto de morte que apanhou quando andava no contrabando. Levava um cabrito sobre os ombros, calha a olhar para a cara do animal, e este estava de boca escancarada, olhos vermelhos a deitar chispas, e começa aos guinchos como se fosse um porco em dia de matança. Ninguém ficou impressionado, e o senhor António continuou: "Atirei com ele para o chão, desatei a fugir e por mais que corresse, voltava sempre ao mesmo sítio, como se andasse à roda, mas eu corria a direito. E andei nisto até ser dia."
Aqui já se sentiu uma ligeira agitação. - "Ele há coisas!" disse alguém, enquanto se preparava para contar uma história que superasse todas as outras. E contou a história da moura encantada que aparecia no Castilho. Primeiro explicou-me; todos os outros já sabiam que o Castilho era um monte que tinha uma gruta e, ao que constava, essa gruta escondia um tesouro. - Aqui foi interrompida; alguém se lembrou de que eu, com tanta história, podia ter medo durante a noite. Ao que a Amelinha sugeriu que poderia dormir na casa dela.
"Todos evitavam passar pelo Castilho, quase por superstição, porque constava que as pessoas passavam a agir como que hipnotizadas e diziam que era o encantamento de uma moura, cabelo negro, comprido, olhos brilhantes como brasas, a guardiã do tesouro do Castilho. Eram atraídos por uma melodia, que fluía como uma cascata, e os deixava em estado de transe. Um grupo de caçadores, muito destemidos, resolveram enfrentar o mistério, na tentativa de resgatarem o tesouro. Munidos de tampões nos ouvidos, não ouviram a melodia, mas avistaram a moura. Dançava ondulante ao som da música que eles não conseguiam ouvir.
Entraram na gruta, inconscientes dos perigos que a moura encantada impunha. Uma tempestade de areia formou-se instantaneamente. Ventos fortes varreram pedras e detritos, bloqueando implacavelmente a saída, e os homens ficaram lá sepultados para sempre.
Nunca mais se ouviu falar da moura encantada, mas de tempos em tempos, ecoam urros de agonia das entranhas da gruta. Os lamentos daqueles que ousaram desafiar a moura misturam-se com os uivos dos ventos, lembrando a todos que a busca pelo desconhecido nem sempre termina com recompensas, mas pode levar a um destino sombrio e eterno para aqueles que subestimam o poder das lendas antigas. A gruta permanece como um túmulo silencioso, uma lembrança sombria daqueles que desafiaram o inexplicável e pagaram o preço pela imprudência."
A história não me impressionou; era simplesmente uma boa história. Até que... sem que nada fizesse prever, sente-se uma brisa suave, gelada, seguida de um grito estridente que deixou todos sem respiração. Calma, foi só o senhor António que, inadvertidamente, pisou a cauda do gato.
Claro que dormi na casa da Amelinha.
FOTO DO ÁLBUM "OS MEUS SERÕES"
ROMI
Planto gestos como quem bane desatinos.
Adio para outro dia, outro tempo, outra vontade...
o segredo do divã desfeito...
que queria ser perfume...
como se fosse imortal.
Continuo a gostar de mim e de ti
porque gosto de máscaras falantes
que se cruzam no limiar da porta entreaberta.
Mas fico aqui parada...
sem sentir nada...
sem querer nada...
sem pedir nada...
Numa espécie de solidão urbana
improvisada, mesmo agora.
E se alguem me chamar...
eu vou!
E se alguém me quiser...
eu conto uma história.
Era uma vez...
Imagem Pinterest
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