LIVREaria. Uma livraria em Ponte de Lima, sem vigilância, máquina registadora ou funcionários. O preço dos livros, em segunda mão, varia entre os cinco e os dez euros. Quem os adquirir vai pagar às lojas vizinhas: farmácia, padaria, mercearia, etc. Ao que apurei, o dono da livraria herdou o espaço e criou um local dedicado "à palavra e à arte". Para além da leitura, promove exposições e outros eventos culturais. LIVREaria. Faz jus ao ditado iraniano: "O leitor não rouba, e o ladrão não lê."
Largo da Matriz, em Ponte de Lima. Há mote melhor para uma escapadinha?
Imagens gentilmente roubadas na net. Podemos sempre substituir a palavra roubar por empréstimo de carácter permanente.
Leituras. Apetece-me sair um pouco da zona de conforto (seja lá isso o que for). Li dois livros de José Eduardo Agualusa e gostei. Li a sinopse e vários artigos de opinião sobre este livro "Mestre dos Batuques". Apesar de favoráveis, não era bem este o livro que me apetecia ler. No entanto, não lhe resisti. É ele que vai ocupar o meu serão.
Quanto ao jornal "The Portugal News", ficou esquecido cá em casa. Surpresa: tem o cheiro dos jornais de antigamente. Graficamente, é estranho e... macio ao tacto. Nunca pensei dizer isto de um jornal. Nem sei se é um elogio. É.
“A sua poesia entra numa aspiral de trovas ao momento último, ao desconhecido que se lhe segue, e não há conto da sua lavra que despegue da solidão das funestas horas dos solitários. (...)“
O FIM DOS BALTASARES, João Afonso Machado.
Comentar um livro torna-se uma tarefa delicada quando há uma grande estima e carinho pelo escritor. Na escrita de JAM, há uma fluidez que transborda, uma cadência que prende e um rigor quase coreográfico que transforma qualquer texto numa verdadeira obra de arte. "O Fim dos Baltasares", agora imortalizados em palavras encadernadas, garante que vão viver, não só nas memórias, porque, enquanto houver quem leia, enquanto houver quem lembre, os Baltasares nunca terão um fim. E ainda bem.
Muito obrigada, João Afonso, por permitir que lhe chame meu amigo…
O telemóvel é o parente pobre da minha mala de mão. Não pode faltar um livro, um bloco de notas, uma esferográfica, lenços de papel e uns rebuçados estrategicamente espalhados, para que não demore uma eternidade a encontrá-los. Tabaco e isqueiro já não fazem parte do pacote, pelo menos por enquanto, desde há oito meses. Digo isto porque, enquanto a maioria dos passageiros do comboio se agarra ao telemóvel, eu vou a ler. Hábito antigo. Sou do tempo em que o comboio da linha de Sintra demorava horrores a chegar a Lisboa. Só o túnel a seguir a Campolide eram uns bons dez, doze minutos. Um único livro não chegava para a semana toda. Foi aí que desenvolvi uma estratégia: comecei a comprar livros pelo número de páginas. Quantas mais, melhor. E, de preferência, com letra miúda, para render. Foi a minha sorte. Comprei imensos livros de autores que desconhecia, títulos que não me diziam nada. O único critério era o tamanho — dos livros, entenda-se. Descobri histórias incríveis, li obras fantásticas. Hoje não faço essa viagem diariamente. Ainda procuro pechinchas, alfarrabistas e afins, mas já não me pesa no orçamento comprar o livro que me apetece. No entanto, ficou-me o hábito de, de vez em quando, levar para casa um livro às cegas, seguindo os critérios antigos. E ainda me surpreendo. Às vezes pergunto-me como será a vida de quem não gosta de ler. Como preenchem essa lacuna? Para mim, é um dos poucos privilégios que realmente me orgulho de ter.
Às vezes volto a Siddhartha, de Hermann Hesse, e leio frases que sublinhei. Esta foi uma delas:
"(…) aquela água corria continuamente, corria sempre mas estava sempre ali, para todo o sempre a mesma e, no entanto, a cada momento nova! Ah, quem isto compreendesse!"
No livro «Pré-Socráticos - os alvores da filosofia» é atribuída a Heráclito a frase: Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio.
A explicação: "Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois, quando nele se entra novamente, não se encontram as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários."
Ah, quem isto compreendesse! — diz Hermann Hesse. A nossa própria identidade e a realidade ao nosso redor estão em constante transformação, ainda que não nos apercebamos. Será que compreendi? Encontrar esses pensamentos paralelos em livros tão diferentes faz-me pensar em como certos temas são universais e atravessam épocas e culturas. É gratificante sair da zona de conforto, entrar em temas que não domino. Pudesse eu parar o tempo para ter tempo de ler mais e mais, na tentativa de recuperar o tempo que não perdi.
Próxima etapa: o poema de Parmênides de Eléia "Sobre a Natureza" é um poema que procurava desvendar a essência do ser e do universo.
Meus queridos, personagens inventadas por mim, estão reunidas todas as condições para o isolamento social — e ainda bem. Estava adoentada, não muito, fiquei a trabalhar a partir de casa, com refeições e medicamentos à distância de um clique, sem ter de sair do conforto do lar, incomodar o vizinho, o amigo ou o parente mais próximo, que vive a 8000 km de distância (e isto é rigorosamente verdade).
Mas um mal nunca vem só; nisto os provérbios não falham. Claro que a pessoa não vai para nova, e as maleitas do passado atuam como um relógio, ainda que não haja mudança de tempo. No caso da minha avó, quando lhe doíam as cruzes, o tempo mudava. No meu caso, e só porque sim, o dedo que lesionei no basquete volta e meia desata a doer, e tenho de lhe pôr um aparato elástico para o apaziguar e adquirir alguma mobilidade — mas pouca.
E cá vou, rodeada dos meus males menores e maiores, numa companhia improvisadamente feliz: Livros, música, filmes e ,claro, a minha gata.
E por falar em filmes...
Alguém me disse: se dás atenção à música de um filme, é porque o filme não é bom o suficiente.
Possivelmente o filme não foi bom o suficiente. A banda sonora, sim. "N'ayez pas peur du bonheur il n'existe pas." Assim, como um dogma: "Não tenhas medo da felicidade, ela não existe". É quase como pedir para não ter medo do papão — ele também não existe.
Não vou entrar em divagações sobre felicidade, já que é um tema que domino tão bem quanto física quântica. E ser feliz é uma coisa que me irrita. Por norma, o que nos faz felizes no momento, é o que nos causa infelicidade no futuro. E isto também é válido para chocolates e sapatos. Quilos e calos, bem entendido.
Não me lembro do nome do filme*. Partilho a música que me deixou tão feliz.
A minha lista de livros a adquirir cresce ao ritmo de cada novo título que quero comprar. É uma espécie de liberdade literária, deixar-me seduzir por outros autores e, na impossibilidade de os trazer todos comigo, aumenta a lista dos "desejos". Ainda assim, sinto uma tranquilidade estranha: é como se os livros que constam da lista fossem já garantidamente meus. Aguardam-me pacientemente, como se soubessem que fazem parte de uma promessa que se há de cumprir.
"Quando queremos muito um livro, ele acontece." Diz a Bertrand...
Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que não é nada comigo. Distraído percorro o caminho familiar da saudade, pequeninas coisas me prendem, uma tarde num café, um livro. Devagar te amo e às vezes depressa, meu amor, e às vezes faço coisas que não devo, regresso devagar a tua casa, compro um livro, entro no amor como em casa.
Morte, 19 de outubro de 2012 (68 anos) Porto
Chorarei sempre a morte de quem me fez (faz) verdadeira companhia.
"Atropelamento e fuga". Foi através deste poema que o conheci e não mais o larguei. Passou a fazer parte da minha familia silenciosa. Ele e tantos outros: Escritores, pintores, atores, cantores, músicos, etc.. Uns já partiram, outros ainda me restam.
Atropelamento e Fuga
Era preciso mais do que silêncio, era preciso pelo menos uma grande gritaria, uma crise de nervos,um incêndio, portas a bater,correrias. Mas ficaste calada, apetecia-te chorar mas primeiro tinhas que arranjar o cabelo, perguntaste-me as horas,eram 3 da tarde, já não me lembro de que dia,talvez de um dia em que era eu quem morria, um dia que começara mal,tinha deixado as chaves na fechadura do lado de dentro da porta, e agora ali estavas tu,morta(morta como se estivesses morta!),olhando-me em silêncio estendida no asfalto, e ninguém perguntava nada e ninguém falava alto!
Manuel António Pina. Um ramo de flores brancas para Si, meu querido.
O computador para ouvir música. Um livro para ler. Caderno e caneta fazem parte de qualquer cena que eu protagonize; são como os miúdos: "andam sempre atrás". Aleatoriamente, a música Sebastien, dos Cockney Rebel. Sebastien reportou-me ao sr. Sebastião, vizinho da minha avó, que referia várias vezes ao dia que a Tézinha, vizinha da frente, era muito velhaquinha. Acho que o sr. Sebastião nutria um sentimento muito nobre pela Tézinha, mas não era correspondido. Porém, era a Tézinha que lhe valia em momentos de aflição. E mais não digo, que eu gosto de escrever no papel e só depois passar para o computador. Que comece o serão...