Num Dia Útil...
ROMI
Ninguém conhece o peso que o outro carrega no silêncio.
Depois, morreu-me num dia normal. Útil. Nem era domingo, nem um dia a preto e branco, nem chovia. Era só um dia que prometia não acontecer nada.
Um ataque cardíaco. Fulminante. Como o fogo de artifício na noite de São João... a única que passámos juntos, no Porto. Aquela cascata de lume a despenhar-se da ponte, a cair no rio, como um grito que se apaga. Fulminante. Como o ataque que te levou de mim.
Em escrita alheia, alguém criticava a minha futilidade em publicar comida exótica, viagens, livros lidos e por ler, e por falar da minha avó. E eu, sem saber, nesse dia inútil, já chorava o meu amor, sem saber se realmente ia partir.
O meu amor de um só dia partiu. E o céu nem ficou mais bonito.
Fecho os olhos. Volta o sonho recorrente em que não consigo ver as horas no relógio de pulso preto de mostrador grande. Relógio sem horas: metáfora do tempo suspenso e da urgência de um adeus impossível.
E é urgente. É imperativo. Saber as horas.
Dizer adeus.
Ao meu amor.
Que partiu.
Partiu. Sem deixar o céu mais bonito.
Num dia que se chamou útil.
Num dia que nem passou por mim.