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DESABAFOS

Razoavelmente insuportável…

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DESABAFOS

02
Jul25

Onde Dormem os Medos...


ROMI

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Na casa da minha avó, as palavras não eram filtradas. Não havia papão. Havia o "homem mau", que me levava, no saco, caso não fizesse o que ela queria. Comer a sopa toda, por exemplo. O homem mau estava sempre presente. Eu imaginava-o vestido de preto, com uma longa barba negra. Supostamente, vivia no sótão da casa, era para lá que a minha avó apontava sempre que ameaçava chamá-lo.

Curiosamente, quando se zangava comigo, tratava-me por "você". Eu gostava do homem mau porque, no meu imaginário, atrás dele vinha sempre um príncipe para me salvar.

Na casa da minha madrasta, o tratamento era por "você", como se estivesse sempre zangada comigo. Com todos, na verdade. Até o cão e o gato ela tratava por "você". Não por snobismo, gostava genuinamente dessa forma de se dirigir aos outros (e eu também). Não havia homem mau. Por isso, também não havia príncipe. Não havia quem me metesse medo, nem quem me viesse salvar.

Hoje, ainda carrego medos. Esperam-me em cada esquina. Perseguem-me. Não são os da infância. Esses adormeceram no sótão da minha avó. Agora é outro tipo de medo, mais denso e omnipresente. Como se todos estivessem zangados comigo e me quisessem enfiar no saco, como o papão, para depois me devolverem frágil, devastada, sem alma e sem voz."

Não há príncipes. Em sonho bom, escondo-me na muralha que a minha madrasta, na sua estranha forma de me amar, construiu para mim. Protegida pelo homem da barba negra e vestido de preto que a minha avó, na sua estranha forma de cuidar, me inventou.

Eu sempre acreditei na história em que a princesa se salva sozinha. Foi a minha sorte.

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