Para o Martin com amor ...
ROMI
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Na habitual forma egoísta de evitar ficarem preocupados, as tropas não queriam que eu fosse à passagem de ano com amigos. Depois de muitas negociações, até prometi usar o relógio no braço esquerdo (para a minha madrasta era um manifesto ato de rebeldia usar no direito), o ultimato: posso ir, mas não posso levar o meu carro. Carro esse, estrategicamente estacionado de modo a ser controlado da janela. Falhei na promessa com o relógio, mas aí cumpri. Não levei o meu carro, roubei o carro ao meu pai, estacionado em ângulo morto.
A esta distância, sinto que não lhes facilitei a vidinha. Gorei todos os planos que tinham para mim. A minha também não foi facilitada, apesar de ter feito sempre o que quis, nunca nada foi feito como quis: era o fato de treino sobre a minha roupa normal e avisar que chegava tarde, tinha treino de basquete. Era sair com a saia pelo joelho e dar duas ou três voltas no cós para que ficasse dois palmos afastada. Era subornar, com beijinhos, a porteira para que me entregasse o boletim das faltas da escola. Era entrar pela porta, à hora marcada, avisar “já cheguei” e sair pela janela quase no mesmo instante.
Tudo isto causa uma ansiedade viciante, tudo o que não fosse arriscar não tinha sabor. Nunca fiz nada que os prejudicasse ou envergonhasse. Agradeço todos os valores que me transmitiram, principalmente a minha madrasta. O meu pai era mais cúmplice, compactuava com ela só para não a desautorizar, para a agradar. No fundo, ele queria lá saber. Até dizia, sem orgulho, que eu saía a ele.
Hoje não há regras, só as sociais. Não há tropas para contrariar. As janelas não substituem as portas. O relógio permanece no braço direito só por hábito. Há a passagem de ano marcada com amigos. E um vazio. Talvez das lembranças que se despediram do presente. A saudade e a solidão emergem como protagonistas, a desconexão com a multidão. A necessidade de contrariar.
Hotel marcado, Alcobaça. Onde não conheço rigorosamente ninguém. Um desejo: espero que chova…
ROMI
O "Corvo". Ao que parece fechou o perfil. Das pessoas mais gentis que conheci por aqui.Tinha sempre uma palavra de carinho para me mimar. Aos poucos foi-se afastando, deu outro rumo ao Blogue. Há que respeitar. Mas estava lá. Eventualmente, terá ou abrirá outro espaço, neste charco (como carinhosamente chamamos). É o meu desejo.
ROMI
Era costume fumar na janela da marquise, para ver o pôr do sol. Na varanda da vivenda em frente, um senhor, de meia idade, barba branca e ar distinto, fumava cachimbo. Se os olhares se cruzassem, dizíamos, imperceptivelmente, boa tarde e nada mais. Por norma, e para meu deleite, havia sempre uma música clássica no ar. Uma em particular que eu gostava muito, sabia que era do Pavarotti, mas não sabia o nome da ária. Enchi-me de coragem e perguntei-lhe. Caruso, respondeu ele. A partir desse dia, sempre que eu ia à janela, ele punha Caruso. E eu agradecia-lhe com um acenar de cabeça e sorriso discreto. O senhor, não sei o nome, manteve o ar distinto, apesar de cada dia mais débil. Quando umas senhoras, vestidas de preto, encerraram de vez as portadas das janelas, deduzi que faleceu. Eu, em homenagem, continuo a ouvir Caruso. O senhor já não está. E mesmo que estivesse, não o poderia ver. Nem ao pôr do sol. As árvores do jardim de baixo cresceram imenso. De tal forma que quando vou à janela, só vejo o cume das árvores. Mas gosto de acreditar, que o senhor do cachimbo está lá e que põe Caruso só para mim.
Eu quando ponho, é para os dois...
ROMI
E às vezes cantávamos, e abafávamos o som da viola. E riamos, riamos sempre muito. Não sabíamos, mas éramos barulhentos. Tão barulhentos que nem ouvíamos os barulhos domésticos, o tilintar dos talheres no prato. O silêncio falava baixinho. Agora o silêncio ganhou voz. Estou só, parece-me.
Saudades de mim com os outros.
ROMI
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