Rebeldias...
ROMI
Na habitual forma egoísta de evitar ficarem preocupados, as tropas não queriam que eu fosse à passagem de ano com amigos. Depois de muitas negociações, até prometi usar o relógio no braço esquerdo (para a minha madrasta era um manifesto ato de rebeldia usar no direito), o ultimato: posso ir, mas não posso levar o meu carro. Carro esse, estrategicamente estacionado de modo a ser controlado da janela. Falhei na promessa com o relógio, mas aí cumpri. Não levei o meu carro, roubei o carro ao meu pai, estacionado em ângulo morto.
A esta distância, sinto que não lhes facilitei a vidinha. Gorei todos os planos que tinham para mim. A minha também não foi facilitada, apesar de ter feito sempre o que quis, nunca nada foi feito como quis: era o fato de treino sobre a minha roupa normal e avisar que chegava tarde, tinha treino de basquete. Era sair com a saia pelo joelho e dar duas ou três voltas no cós para que ficasse dois palmos afastada. Era subornar, com beijinhos, a porteira para que me entregasse o boletim das faltas da escola. Era entrar pela porta, à hora marcada, avisar “já cheguei” e sair pela janela quase no mesmo instante.
Tudo isto causa uma ansiedade viciante, tudo o que não fosse arriscar não tinha sabor. Nunca fiz nada que os prejudicasse ou envergonhasse. Agradeço todos os valores que me transmitiram, principalmente a minha madrasta. O meu pai era mais cúmplice, compactuava com ela só para não a desautorizar, para a agradar. No fundo, ele queria lá saber. Até dizia, sem orgulho, que eu saía a ele.
Hoje não há regras, só as sociais. Não há tropas para contrariar. As janelas não substituem as portas. O relógio permanece no braço direito só por hábito. Há a passagem de ano marcada com amigos. E um vazio. Talvez das lembranças que se despediram do presente. A saudade e a solidão emergem como protagonistas, a desconexão com a multidão. A necessidade de contrariar.
Hotel marcado, Alcobaça. Onde não conheço rigorosamente ninguém. Um desejo: espero que chova…