Notas de Uma Solidão Lúcida...
ROMI

Não há coisa mais enfadonha do que ouvir os sonhos dos outros. Eu nem dou conta dos meus, e tenho alguns recorrentes, mas só sei que o são no próprio sonho.
Outro tédio: as anedotas. O que me faz rir, e eu adoro rir, é diferente do que faz rir as pessoas com quem tenho de conviver. Rio-me sempre em tempos diferentes, e por norma, sozinha. Reporto-me à série 'Allo 'Allo!: eu, perdida de riso, e os meus amigos, na altura, com cara de caso a olhar para mim. Monty Python dava na RTP2; só eu gostava.
Rui Veloso diz que não se ama alguém que não ouve a mesma canção. Também é válido para quem não partilha o mesmo sentido de humor, nem o interesse pelos mesmos temas de conversa.
Eu rio-me com o absurdo, com a sátira mordaz, com a ironia disfarçada. Com a capacidade de expor a hipocrisia e as contradições sociais de forma hilariante, mas elegante. Fugindo sempre da lógica convencional. Segundo os entendidos, um riso que, por ser mais cerebral e menos imediato, é naturalmente solitário.
As pessoas cansam-me. E eu também as canso. Sou péssima companhia para a maior parte delas. Cada vez me isolo mais. E estou bem assim.
A única companhia que respeita o meu tempo e o meu silêncio é um livro. Ao contrário das pessoas que contam anedotas ou sonhos, o livro só fala comigo quando o abro.
Hoje cortei-me. Nada de grave.
O sangue não parava. E eu, ali, sem colo, sem ninguém para cuidar de mim. E essa ausência é o preço mais alto da solidão lúcida.


