Tempo de bem querer...
ROMI
Panos imaculadamente brancos anunciavam o preceito exigido na feitura meticulosa das filhoses. Quase uma solenidade. Não havia cabelos soltos, mãos exaustivamente lavadas, mangas arregaçadas até ao cotovelo. Comece o ritual. Sem muito alarde para não levantar pó. Era assim, na casa da minha avó. "Somos pobres, mas asseados". Dizia ela. Filhoses douradas, distribuídas "irmãmente", pelos vizinhos do bairro. Sempre retribuídas por quem não tinha dores na alma. Esses estavam isentos do ritual, fazia parte do luto.
Natal. Tempo de filhoses, de madeiro, de bem-querer. No Natal não havia zangas. Para isso tinham o resto do ano. E não havia mal em estar "agastado". Quando era necessário, quando alguém precisava, estavam lá todos para ajudar, mesmo os agastados. Hipocrisia? - Preferiam chamar-lhe amor.
Ligam-se as luzes do pinheiro de Natal. No regresso à casa que o lume aqueceu. Cheira a filhoses e a sonhos por realizar. Mas tu não estás, avó.
O MADEIRO
Cai um sino do pinheiro de natal.
Por muito menos se foge de casa
de seus pais. Agachados sob o leque
das hortênsias, descobrimos que as lágrimas
são fáceis de engolir. Sem saber,
já chegamos ao escuro.
Só nos falta pôr o til na palavra solidão.
josé miguel silva